quarta-feira, 29 de abril de 2009

Manoela

"Eu não preciso de você".Ela tentou gritar.
"Eu ainda não preciso de você".Foi o que disse.
Manoela,35 anos,sem filhos,parentes ou amigos próximos.Tinha um marido,tinha.
Luís Alberto,49 anos,bancário,simpático,sedutor,carente,compreensivo,bissexual,ex-marido.
"Definitivamente minha cabeça anda fora do lugar";Manoela tentou uma reconciliação.
"Se tuas palavras tivessem tão pouca penetração como teu pedido de perdão estaria tudo correto".Luís Alberto sempre taxativo,aliás era parte de seu ofício.
"Falta isso".Manoela diz desesperançada
"Falta mais ou falta menos?"arrisca-se Luís.
"Disposição,disposição me falta pra falar do silêncio que há entre nós,e sempre irá existir.Qual foi o momento em que cobrei de ti o mesmo fogo que tens com teus amantes?!Em qual data pedi que me igualasse a teus pretensos romances?"
"Não te julgo,não te peço,não encareço presentes,não publico acusações.Mas esperava, e no fim ainda espero,até ontem esperei... ter um lugar meu.Aí,bem aí,neste teu órgão vital,onde bombeia sangue pra teu corpo que um dia adorei."
"Adorei,ouvistes?!Adorei.Músculos não foram,tão pouco agilidade.O que vi foi o charme em teu sorriso,brandura em tua face,calor em tuas mãos;Luís me fiz tua e pedi que fosses meu."
"Estas me sendo pesarosa com todo esse presságio."Interveio Luís sem palavras melhores.
"Confesso,minhas ações de bom tom não foram.Faltou-me bom senso,delicadeza e vigor.Se fosses tu a culpada sairia daqui alegre mas bem sei que és a fada de algum sonho.Mas a perfeição me causa náuseas e prefiro os lábios sonsos de quem tem por mim desejo e chama."Luís desferiu um golpe crendo ser ele mortal.
"Palavras de um homem vil e brutal.Seria o gari mais digno em sua despedida?Deixo de pensar em ti como homem e te vejo como algo,talvez um copo,mas este me é útil.Até numa despedida um homem tem de ser um Homem e isto nem o tempo muito menos o vento te ensinará és reles no carácter e quem dirá na alma!Vá!!"
Saiu ele sem vida.Pela janela do restaurante ela grita:"Teus amantes felizes sejam com amantes deles somente,há quem possa precisar de você?"
Feriu-lhe audazmente,tomou chopp com colarinho.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Campo,Camponeses

Do outro lado da parede tem um campo de futebol meninos correm atrás da bola todas as tardes e manhãs,rapazes transam com mulheres suas na madrugada,mulheres passam com saias esvoaçantes para suas missas e cultos em punho Bíblia e terços,neste campo não passa boi e nem boiada,passam Tarcísios,Marinas e Ignácios.
Quando era pequeno e em Deus acreditava via o céu azul e um muro despontava,seguido de dragões,castelos e guerreiros formados de nuvens brancas e também escuras que desmanchavam em chuvas finas na tarde de Pombal pequena cidade a leste do arco-iris no fim da escada de mármore da mansão de Sinhá Ilusão,senhora distinta em constante alegria.Nasci assim em Pombal,me lembro de estar sentado desde sempre.
Corri pouco ou quase nada.Corri nos sonhos,ali também pedalava.Numa noite de sono em sonho subi num pé de goiabeira,atirei umas cem dentro do cesto e levei pra Benta,tia mais velha de minha mãe fez-me doce até enjoar;eu e ela comemos pouco só o cheiro abastecia.
Tia Benta depois do banho contou uma história,começava assim:"Dentro da noite escura,entre o espinheiro e a rosa clara tem um poço que cheira absinto quem ali pular vira peixe e não mais volta",acordei.Tia Benta não estava foi morar em Rio D'Agua lá pras bandas de Tiro Milho longe que só vendo,fui até a cozinha pegar bolo de aipim e café quente vi dos lados de lá do campo de futebol um negrinho sendo espancado por três homens ruins,gritavam:"Mardito nego,pego agora paga".
Nenhum furto de pêra ou maçã(isso estava na mãos do menino negro)valia a sova que levava de três homens,estirado no campo ficou o negro com seus 13 anos de vida esvaindo sangue pelo nariz e choro de quem ainda dá retorno.
O campo me traz memórias boas no tempo quando cria em Deus,o campo me fez chorar quando cadeira de rodas lembrou quem sou eu.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Porto Alegre

Ele se vai...
Rogério todo pôr do sol estranhava o coração se apertar na despedida diária.
Homem bonito de 30 anos descendente de japoneses que vieram ao Brasil tentar a sorte e lhes sorriu esta predestinada bondosa senhora que com ajuda do governo brasileiro que abraçou os nisseis,sanseis e demais.
Coube a família japonesa Kawauri não se fazerem de rogados houve trabalho duro e sorriso farto aos compradores que fizeram da pequena venda um grande negócio que se tornou de variados braços ao longo de 10 anos com o crescimento da família;Rogério se afastou dos pais e irmãos assim que terminou a faculdade de publicidade feita em uma das melhores faculdades de São Paulo e foi morar em Porto Alegre,levado por uma paixão inconsequente,foi com uma negra gaúcha pros Pampas e lá chegando durou mais dois meses de namoro e terminaram o romance como bons amigos que não se telefonam,não trocam e-mails e não vão ao cinema.
Rogério sentou de frente pra sua varanda que do décimo sétimo andar avistava boa parte da linda Porto Alegre imaginou integrante de um mundo diferente a ele,um mundo de homens e mulheres latinos,falantes,prósperos em suas vidas íntimas.Consultou o coração dentro do casulo azul e tirou fotos da cidade emprestada,seu corpo...
O corpo é uma casa emprestada.O que seria seu?
A intuição o fez escrever,a sensibilidade pintar e a descrição proporcionou que mantivesse um caso de 8 anos com o porteiro,com a empregada e o padeiro acreditando eles serem casos exclusivos e crendo ele ser sincero com todos.
"O beijo prende mas sexo liberta.Me beije enquanto te sirvo.Absorve o pouco de mim em sulcos de saliva framboesa"dizia aos sussurros nos ouvidos amantes,naquele instante amava.Ao deslizar a língua nos corpos de Helena,Bruno, Zé Jorge e Tom o lixeiro aspirante aator pornô traduzia o amor que tinha aprendido nos banheiros do colégio severamente católico,severamente triste.
"É um empréstimo,Rogério" a consciência chegou falando mansamente.
"Um empréstimo" repetiu alto.
Desceu as escadas,elevador rouba pensamentos.
Beijou o porteiro na boca em plena manhã de segunda feira,cantou o padeiro que sorriu constrangido foi de táxi a casa da empregada doméstica Helena deixou-lhe alguns tostões e um aperto na bunda.Parou num orelhão telefonou aos pais e disse num bom linguajar japonês:Arigatô!

sábado, 11 de abril de 2009

Thiago

"Se não for pelo humano de nada vale a fé".
Estas palavras marcaram o fim de sua fé protestante,o fim de sua fé cristã,o fim da fé.
Thiago caminhou anos a fio a procurar uma igreja cristã que o retratasse como ser humano apto de inteligência,esqueceu da infância marcada por manifestações pentecostais que fugiam de qualquer moderação,das loucuras que via em pessoas boas e pobres correndo atrás de adivinhações por vezes chamada de profecias;Thiago esqueceu de tudo e todos;acusações não faltaram.
Homem sem fé.Dedicaram-lhe este termo,um dos mais puros diante de tantos outros adjetivos.
Certo dia ouviu uma bela música seguida de uma pregação sensata em estação de rádio batista ficou fascinado pela erudição do culto,reverência dos membros,música sofisticada;colocou em seu coração a certeza de que era membro desta instituição.
A instituição fracassou.
Passado dias e noites percebeu a mesma falta de compaixão,o mesmo julgamento,a mesma anti-piedade nas falas dos muitos membros daquela igreja tão bonita aos domingos a noite e tão virulenta quanto outros ramos que havia conhecido.Cabisbaixo,prometeu a si não mais voltar.
Encontrou em suas muitas leituras uma igreja Luterana.Sendo Lutero pintado como um grande libertador protestante das mãos leves da antiga Igreja de Roma,imaginou estar sendo amparado por Deus a ir de encontro com esta nova fé.Foi até a igreja e pode sentir em cada traço da liturgia uma ponta de orgulho.
Orgulho que aflorou a cada culto reformado e criou-lhe uma barreira tão grande que já não sabia quem era e muito menos pra onde tudo aquilo estaria lhe levando.
Pessoas fechadas em sua cultura deixando o mar da prepotência tomar lugar do altruísmo.
Olhava-se no espelho e pensava:"Em que me transformei?"
Chorou pela avó morta,mulher negra,baixinha,auxiliar de cozinha,divorciada,pensionista.Sorridente.
A avó nunca fez restrições as muitas igrejas protestantes existente achava bonito a diversidade e com sua cultura de mulher negra guerreira sabia que o neto seria um galante protestante fosse tradicional,pentecostal ou Testemunha de Jeová.Ela sonhava.
Ele se lembrava da avó assim,na alegria da vida.No bater palmas de hinos pentecostais desafinado, na oração séria feita com fé,nos gritos altissismos de aleluias pelas "vitórias" alcançadas;resumiu suas lembranças com um aleluia baixo.Ele era assim não dado as gritarias,mas abraçado a felicidade.
Desligou-se da igreja fria e longínqua.Revigorou a fé na vida.
"No ser humano ao meu lado encontro a tristeza e alegria do passado"
Bateu palmas desritmado.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Elines

"E se o ferro ferir e se a dor perfumar.Um pé de manacá que eu sei existir em algum lugar"
Ouvindo Elza Soares ao interpretar Ernesto Nazareth pensou onde encontraria este produto medicinal pra aliviar sua dor.
Elines o deixou sem nada dizer.
Numa tarde ensolarada,após uma noite romântica e um café da manhã corrido como o de tantos outros; viu o sorriso dela brilhar de modo diferente as 6:30 com o sol batendo em seu rosto branco moreno de sol,garota brasileira bronzeada de amor cor da paixão reinante.
Beijou a mulher e o pequeno filho.Foi ao trabalho.
Elines sairia mais tarde.
Antes da saída e próximo ao portão ele a ouviu cantar:"Nas horas que passo pensando em Jesus.As trevas desfaço e busco a luz".Ela sempre fora religiosa como a maioria das mulheres a fé dela tinha sido desde o começo do namoro mais determinada que a dele.No seu horário habitual Elines pegou a bicicleta companheira de sempre colocou o filho na cadeira,beijou-o,conversou com ele e cantou.Cantaram,já que o pequeno menino já balbuciava melodias aprendida com a mãe e foi tudo assim belo sereno de calmaria ímpar.Elines entrou na casa da mãe sem pedir licença aquela familiaridade que só os pais conhecem e entendem,conversou com o pai e foi pra cozinha tirar dúvidas com a mãe,os velhos pais habituaram-se tanto a ver a filha entrar e sair de casa que nunca pensaram como seria não vê-la fazendo sempre deste mesmo modo.
Deixou o filho na casa dos pais e foi ao trabalho.Não voltou.
Elines não retornou.
O telefone tocou.
Tocou na casa dos velhos e na delegacia onde o marido trabalha.
Acidente.
Fatal.
Pé de manacá onde estará?
"Minha jovem moça mulher caminhas entre nuvens ao redor de anjos;entre céus e terra meu amor aqui ficará."
Escreveu esta frase no caderno de anotações da mulher,durante tanto tempo naquele caderno o balanço financeiro de cada mês e uma frase de amor a Deus e ao marido ali era deixada,desta vez foi ele a dedicar.
Elines desapareceu numa tarde quando um caminhão encontrou sua bicicleta e corpo.Frágil corpo.
Caixão lacrado.
Falta a Cláudio o sorriso de Elines.Falta aos pais da moça mulher a intrepidez gentil.Falta ao filho a cantoria religiosa.
Falta ao poeta e contista a amizade levada.

sábado, 4 de abril de 2009

Noite

Pelo retrovisor empoeirado de uma avenida movimentada um homem parado.A cena a sua frente o excita a tal ponto de perder a noção da direção que seguia,dois homens se beijam,se esfregam se comem com voracidade,determinação e carinho.Dois homens se exibem através do vitrô empoeirado.
Voltava pra casa após duas horas ininterruptas de ginástica orientações médicas,um homem aparentemente bêbado lhe pergunta as horas debaixo de uma árvore onde a sombra da mesma misturada a escuridão da bela noite o impossibilitava de ver,disse uma hora aproximada daquilo que achava ser,era apenas um ébrio a querer saber das horas,oras.
Neste segundo surge um corpo magro no vitrô de uma velha casa que beijava frontalmente a charmosa avenida.Chamava o bêbado para entrar,coisa que este fez sem hesitar.Não havia ordem ali,não havia mandante e mandado um acordo sem palavras notava-se.O homem intruso que era eu ficou a observar,dois corpos balançando de frente pro vitral,línguas passeando por corpos suados e sedentos,prazer na face de ambos.
Animalesco e belo eram esculturas vivas moldando um quarto velho.
Frases poderiam ser ouvidas mesmo sob o silêncio real ali instalado.
A mais bela visão de uma noite de sábado.Noite só.
Dois corpos quentes numa noite vazia.
Três corpos quentes observando a lua.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Perguntas e respostas

"Antes das palavras.Espírito.Depois das palavras.Espírito"
Fechou a aula com esta explicação,os alunos arrumaram suas mochilas e saíram com dúvidas filosóficas,apenas André ficou.
"Posso te ajudar em algo,André?"-disse a professora naquele momento sutil.André olhava pela janela algumas montanhas que avistava lá da serra da Mantiqueira,olhando pras montanhas fez uma pergunta:"qual seria a cor desse espírito?"
"Espírito é moldável tu tem o direito de fazer dele o que bem querer"colocou sua bolsa nos ombros e ia saindo quando o aluno perguntou:"onde ele estava quando a morte levou minha mãe?"
"Que poderia o Espírito ter feito" redarguiu a professora.
"Impedido meu sofrimento" concluiu o aluno.
"As respostas fáceis cabem aos imbecis,estas longe de tais pessoas.Conserte o mau caminho do sofrimento dentro deste coração e saberas que a vida caminha para além de perguntas e respostas."
"Eu posso fazer o favor de consertar tudo por todos mas o conserto da minha alma pertence a outro ser"
"Este ser pode ter um pseudônimo mas sempre serás tu".
A professora o deixou na sala.
Observando pela janela da sala de aula no último andar do antigo prédio de três andares antes um casarão do senhor presidente Conselheiro Rodrigues Alves,a professora sorrindo lá embaixo com outras colegas de profissão e que fora até o carro e estava tirando-o da garagem escolar.Foi até a lousa e escreveu com giz amarelo:"Aconteceu...o espírito em mim secou.Sonolento tomou forma de vento,e repousa sobre a lápide"
Caminhou até a janela tirou camiseta calça e cueca.Atirou-se dali,quis voar.