sábado, 17 de outubro de 2009

Bailarina

Reviveu ao ver o ballet russo apresentar-se pela terceira noite consecutiva no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.Mariana sorriu destemida ao ver uma jovem negra como ela dançando levemente no palco gigantesco.Respirava diferente dentro do teatro,como se os pulmões absorvessem a atmosfera de satisfação que ali reinante.
Aplaudiu de pé.
Se por ela fosse ali ficaria,veria horas a fio o espetáculo.
Na volta pra casa tomou seu habitual ônibus da zero hora;na cidade de Tres Corações- Minas Gerias onde cresceu ouvia dizer que meia noite era horário das almas penadas;vivendo no Rio de Janeiro há dez anos e oito meses esqueceu-se das almas penadas e prestava atenção nos passos que a acompanhavam dia e noite.
Cada um poderia ser a face viva do horror.Estampado em cada rosto a insegurança advinda da maldade profunda.
Viu em seu primeiro ano morando em cidade grande uma senhora sendo atropelada em plena Avenida Atlântica e apenas um murmurio de alguns que chamaram a ambulância e tudo o mais a correr normalmente.Apenas mais uma mulher,desta vez uma senhora de aproximademente 70 anos caida no chão atropelada por um motoboy que corria para entregar algo importante para alguém que poderia reclamar de seu serviço prestado com 5 minutos de atraso.
A velha no chão.
Ela continuou a andar também.
"Problemas arrancam a sensibilidade" pensou.
Enquanto folheava um exemplar mais recente do livro do pastor batista Ike Murdoch Phillips,pensou em como seria bailar ali em plena avenida carioca,ou pintar o Museu de Arte com cores vivas como as que viu em um livro sobre pinturas africanas,pensou em decorar postes com cetim e colocar ao lado de cada semáforo uma poesia de Wally Salomão.
Desceu no seu ponto rindo sozinha.
Ao chegar em casa deu leite ao gato,ração pros peixes,assou sua lasanha vegetariana e dançou ao som de Beethoven,ouviu aplausos ao deitar-se,após longa oração.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Silvana

Silvana desacreditou quando desembarcou em Paris.
Economia de dois anos pra conhecer a cidade tão bem cantada por Edith Piaf,Cidade Luz.
Foi sem um amor na bagagem.Na cidade mais romântica do mundo.Silvana tomou vinho sozinha,degustou azeites carissimos e tomou cuidado com crossaint's engordativos e deliciosos.
Não houve lágrima ou desespero.Soube ser companhia pra si.
Brasileira,amazonense,flamenguista e corretora de imóveis,alegrou-se ao tirar fotos de cada canto da cidade e postar em seu blog pessoal.
Comprou alguns "souvenier's" para seus 7 sobrinhos,2 amigas e para o ex namorado hoje casado com sua cabeleireira.
Silvana tinha marcas no coração que o tempo podia até fazer questão de não apagar,mas na lembrança guardava apenas o fogo ardente de ser feliz independente da variedade de atuações de vários amores deixados a beira da estrada.
Uma semana restava para voltar ao Brasil,foi em um antiquário na tarde bela e fria de uma Paris atual observando os quadros abstratos a frente reconheceu os fios longos e loiros de uma antiga amiga.
Denise.
Haviam estudado o colegial juntas e nunca mais se viram;Denise apresentou o marido e logo foram jantar a três em um pequeno restaurante calmo,regado a vinho e boa conversa.
Relembraram.
Antoine um típico francês alto e magro ouvia a conversa calado e atento ao português que vinha aprendendo desde que conheceu Denise na Embaixada Brasileira onde ela trabalhava como secretária a exatamente 3 anos naquela noite.Tímido propôs que a brasileira fosse a casa deles no dia seguinte marcaram o horário e antes mesmo que Silvana pudesse se dar conta um táxi a esperava na porta do hotel para levá-la a casa dos amigos.
Ao chegar,Denise esperava sorridente na porta cheia de flores em um belo endereço da cidade,no olhar de ambos algo diferente,certa sensualidade pairava no ar.Frisson.
Conversaram amenidades.
Entre um copo de vinho e outro,Denise a beijou.
Elas se beijaram.
Antoine olhou tímido.Tirou a roupa,tímido.
E na bela cidade levemente fria um casal mostrou a beleza da cidade.
A beleza dos corpos entrelaçados.
Silvana esqueceu de postar por um dia algumas fotos.

Fernando

Ardendo em febre Fernando foi a farmácia munido com sua receita médica.
Mau saudou o balconista e logo apresentou seu passaporte pra felicidade seja lá o que iria tomar pois não decora nada muito menos nomes de remédio desejava o retorno do paraíso que nada mais é aquele desejo sóbrio de não sentir dor.
Saído de lá com vários comprimidos coloridos tropeçou na calçada vazia talvez houvesse chutado os próprios pés na pressa de retornar a casa,apenas sua casa;noite chuvosa em São Paulo,um resfriado por presente do tempo,uma farmácia à três esquinas de casa,maus motoristas,cliclistas,motoqueiros e transeuntes dentre todos,ele.
Não sabia se o seu mau humor teria nascido do resfriado-gripe ou do abandono que sentia toda vez que chovia principalmente a noite.
Era feliz ao seu modo.
Felicidade grifada ou pontuada poderia ser infelicidade explicada.
Deixou analista,igreja ou crença que fosse.Conversava com o D'us.Deus que ele passou a crer de forma como os hebreus.Talvez a solidão reinante em cada judeu espahado pelo mundo por não terem um lugar seu e o pseudo lugar nunca ter paz foi o que o fez identificar com essa fé.
Todo judeu é sozinho.
Todo judeu sofre calado.
Tudo sou eu no silêncio da noite.
As vezes,talvez,quase sempre...palavras de seu vocabulário constantemente revisitadas;certeza lhe faltava a dúvida permanente batia em sua porta todas as manhãs.E se não fosse a música...
Ah se não fosse a Arte!
Apenas com ela ele podia ficar mais próximo do Eterno.
Valia a pena continuar em dúvidas diárias?
A consciência o questionava enquanto preparava Leite com aveia e mel.
Confusão seria resposta para os que procuram o caminho alternativo?
Engoliu a castanha olhando pro quadro de Nina Ali Faour;um homem diante de uma cruz cravejada de diamante e sangue, no chão pétalas brancas e romãs.
Pensou em não pensar.
Era sábado,deitou-se.
Ateou fogo no corpo,chorou baixo para não incomodar os vizinhos.